Sindicalista venezuelano destaca “relevância da rede
ComunicaSul”, integrada pela CUT, “para romper o cerco midiático contra o país”
Leonardo Wexell Severo, de Caracas-Venezuela
Coordenador Internacional da Central Bolivariana
Socialista dos Trabalhadores da Cidade, do Campo e da Pesca da Venezuela (CBST),
Jacobo Torres, descreve alguns dos “inúmeros avanços políticos, econômicos e
sociais conquistados durante o governo do presidente Hugo Chávez”, tendo como
foco a Nova Lei Orgânica do Trabalho, dos Trabalhadores e Trabalhadores, “uma
velha dívida da revolução com a classe operária”.
Entre os principais pontos, assegurou o dirigente
internacional da maior central venezuelana, “está a proibição da terceirização
e da precarização das relações de trabalho, a ampliação de direitos como as
licenças maternidade e paternidade, e a redução da jornada para 40 horas sem
diminuição de salário”.
Ao
assinar o documento, Chávez destacou que a lei, com 554 artigos, é um instrumento
que permitirá construir uma "nova cultura do trabalho e de
responsabilidade”. Na avaliação de
Jacobo, a ação desenvolvida pela Rede ComunicaSul, integrada pela CUT Brasil, “contribuiu
para romper com o cerco midiático armado contra o país, dando visibilidade às
nossas lutas e às conquistas obtidas”.
Conforme explicita a lei: “O processo social de trabalho tem como
objetivo essencial superar as formas de exploração capitalista, a
produção de bens e serviços que assegurem nossa independência econômica,
satisfaçam as necessidades humanas mediante a justa distribuição da riqueza
e criem as condições materiais, sociais e espirituais que permitam à família
ser o espaço para o desenvolvimento integral das pessoas e conquistar uma
sociedade justa e amante da paz, baseada na valorização ética do trabalho
e na participação ativa, consciente e solidária dos trabalhadores e
trabalhadoras nos processos de transformação social, consubstanciados com o
ideal bolivariano”.
Para a CBST, qual o
significado da Nova Lei Orgânica do Trabalho?
Jacobo Torres - A Nova Lei
Orgânica do Trabalho, dos Trabalhadores e Trabalhadoras salda uma velha dívida
que a revolução tinha com a classe operária. Afinal, transcorreram 12 longos
anos para começar a discussão sobre a nova lei. Era um contrassenso, porque a
lei anterior protegia os patrões contra os trabalhadores, no mesmo período em
que se estava promulgando uma lei revolucionária. É uma proposta de vida que se
insere dentro de um projeto de nação, de socialismo. Havia muitas contradições
quanto à sua interpretação, principalmente porque foram muitos os direitos que
haviam sido retirados durante os anos de neoliberalismo. Antes se aposentava
após 30 anos de trabalho, com o valor do último salário. Aí, já recebia no ato
um valor equivalente a um mês por ano, 30 meses ou 900 dias. Isso foi eliminado
no processo de aplicação das medidas do Fundo Monetário Internacional (FMI),
que determinava a retirada de direitos e privatizações, onde a flexibilização
era o método de contratação. Chávez chega, paralisa o processo neoliberal e
trabalha para a recuperação de empregos e direitos.
Com a adoção do
receituário neoliberal, os trabalhadores ficaram, literalmente, a ver navios.
Exatamente. Se acumularam passivos trabalhistas
muito grandes, com a quebra de empresas. O Estado precisou atuar. O que para os
neoliberais é gasto público, para a revolução é investimento social. Então, o
governo Chávez começou a distribuir mais equitativamente os recursos para a
sociedade, ampliando os benefícios sociais e trabalhistas.
De que forma a
construção da CBST contribui para o desenvolvimento do processo?
Foram muitas idas e vindas, onde tivemos de revisar
a nossa situação frente ao processo intersindical. Havíamos cometido muitos
erros na formação da antiga central, a União Nacional dos Trabalhadores (UNT),
com critérios a partir de correntes políticas, muitas vezes com pouca ou
nenhuma representatividade. Eram generais sem tropa. Hoje, os dirigentes têm
representatividade, são líderes do magistério, da construção civil,
petroleiros, químicos, farmacêuticos. O que nos une a todos é o apoio ao
processo revolucionário conduzido pelo presidente Chávez.
A linha de corte é o processo revolucionário.
Este é o nosso entendimento, porque se não somos
capazes de sustentar a revolução, com o comandante à frente, que tipo de
organização seremos? Durante o processo de fundação da nossa Central
Bolivariana Socialista dos Trabalhadores da Cidade, do Campo e da Pesca da
Venezuela, em 10 de novembro de 2011, lançamos as bases da nossa organização, com comitês
regionais e nacionais. Então, pela primeira vez em muitos anos, o presidente
nos acompanhou. Foi o primeiro ato público após a sua convalescença, o que é
muito simbólico. Neste evento pedimos ao presidente que dirigisse a redação da
nova Lei do Trabalho. Ele disse que iria assinar após uma ampla discussão e
garantiu um espaço de consulta e mobilização, proporcionando um rico debate que
envolveu a Comissão Presidencial, a Assembleia Nacional, os magistrados da
Corte Suprema, ministros, o Banco Central e vasta representação dos
trabalhadores para concluir a nova lei. Vale ressaltar que não houve reforma,
mas a construção de uma nova lei orgânica para pagar a dívida histórica da
revolução com a classe operária.
Como foi este processo
de construção?
Somente nossa central realizou 4.700 consultas,
entre reuniões e assembleias, com muita participação. Ao longo do processo
foram recolhidas 19.200 propostas para a nova lei. Depois disso, uma tarefa
titânica foi ordenar, sistematizar esta avalanche de propostas e garantir o
caráter revolucionário de seu conteúdo. É uma plataforma para que os
trabalhadores se incorporem em melhores condições ao processo. Assim como
precisamos garantir o protagonismo do Estado, temos de garantir o papel dos
trabalhadores no Estado, a participação da classe na construção da sua própria
redenção
Houve o
investimento na organização, no fortalecimento da consciência da classe. Isso
tem se refletido no aumento das taxas de sindicalização?
Reagrupamos o que existia e hoje temos seis centrais
sindicais. A nossa é a maior e reúne 17 federações e oito sindicatos nacionais
e mais de 500 sindicatos regionais e locais. Temos concentrado a sindicalização
nos setores mais estratégicos, onde a taxa tem crescido, com avanços
importantes em ramos como a hotelaria e a vigilância privada. Vale lembrar que
o sindicalismo anterior, da CTV, agia como correia de transmissão do patronato.
Por isso atuavam com uma concepção tripartite, que chamávamos “trimaldita”,
pois sempre abria mão dos interesses de classe. Hoje a lei proíbe o
tripartismo, não há negociação sobre direitos. O legislado sempre vale mais do
que o negociado.
Em muitos dos
nossos países, até por questões táticas, o sindicalismo defende o tripartismo.
Mas aqui estamos em um processo revolucionário, mais
avançado, onde o trabalho tem papel preponderante sobre o capital. Na
Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, nos olharam como se
tivéssemos lepra. Na Venezuela não há conciliação entre o explorado e o
explorador, como está claro na nova lei do trabalho, pois há um enfrentamento
com a burguesia.
Como isso se dá na
prática?
Antes o trabalhador era despedido e, para defender seu
retorno ao emprego, ele precisava demonstrar que havia sido cometida uma injustiça.
Agora se presume a inocência do trabalhador e o patrão é quem tem de justificar
as razões e pagar o devido. Agora estamos debatendo os níveis de sanções que
vão desde multas até a recontratação. Para isso, o Estado mobiliza o Ministério
do Trabalho e até a polícia, impondo o cumprimento da ordem e evitando as
demissões massivas. É uma coisa maravilhosa que conseguiu deter os abusos do
patronato.
E como ficam as
aposentadorias?
Enquanto nos Estados Unidos e na Europa os governos
retrocedem direitos sociais e trabalhistas, aqui avançamos. Reduzimos a idade
mínima para aposentadoria a 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres.
Todos agora têm seguro social, com direito ao salário integral. Antes, o Estado
não recolhia e, portanto, depois não pagava. Agora todos recebem, por uma
questão de reparar esta injustiça, independentemente de terem ou não
contribuído. Comprovada a idade da aposentadoria, todos têm direito, pois é uma
necessidade humana e uma responsabilidade do Estado. A terceira idade está
protegida.
E a política de valorização dos benefícios?
Aqui, quando se reajusta o valor do salário mínimo,
sempre acima da inflação, com ganho real, todos os meses de maio e setembro, os
mesmos percentuais são repassados às aposentadorias. Antes era 80% do salário
mínimo, hoje é igual, uma questão de justiça com a terceira idade. É bom
lembrar que antes da revolução havia quatro tipos de salário mínimo: o urbano,
o rural, o de aprendiz e o de eventual. A revolução unificou e ratificou na
lei.
O sindicalismo
brasileiro está na luta contra a terceirização, por entender que ela precariza
as relações de trabalho.
Esta é uma luta importante. Aqui já acabamos com a
flexibilização e a precarização. A partir de 1° de Maio deste ano, as empresas
têm seis meses para os eventuais ou subcontratados aparecerem como
trabalhadores plenos de direitos.
E o governo deu o
exemplo.
O exemplo foi dado pelo governo quando nacionalizou
as petroleiras da Faixa do Orinoco, a Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA)
absorvendo 60 mil trabalhadores que passaram a ter os mesmos benefícios
contratuais. Nossa organização, a Federação dos Trabalhadores do Petróleo, Gás,
Similares e Derivados da Venezuela (FUTPV) passou de 40 mil para 103 mil
filiados. E fecharemos o ano com 140 mil. Nossa concepção é salário igual para
trabalho igual. Da mesma forma, foram registrados os nove mil trabalhadores da
metalúrgica Sidor e os quatro mil da empresa elétrica. O trabalho deixa de ser
um castigo e passa a ser um direito humano.
Com todos os
benefícios, garantias e estabilidade...
Perfeitamente: todos os benefícios, garantias e
estabilidade. Além dos direitos sociais e trabalhistas, a revolução avança para
garantir educação, saúde, moradia, recreação e energia, que não podem ser
mercadoria, mas um serviço comum para todos e todas. O modelo de país que
estamos construindo tem este compromisso.
A luta das mulheres
também tem se refletido em conquistas...
A equidade de gênero na Venezuela não é só formal. A
nova lei do trabalho também reconhece novos direitos: a licença maternidade
agora é de seis semanas no pré-natal e de 40 semanas, seis meses, após o parto.
Para contribuir neste momento tão importante, o pai tem 15 dias para acompanhar
a companheira após o parto, com o casal gozando de estabilidade no emprego por
dois anos, pois é uma etapa crucial para a criança.
E o trabalhador
jovem?
Existiam mecanismos de exploração muito depravados
como os tais três meses de experiência, onde muitos empresários se aproveitavam
para sugar ao máximo as energias do candidato, logo substituído por outro nas
mesmas condições. Aproveitavam-se, portanto, da alta rotatividade para
“reciclar” em defesa do capital, não pagando direitos durante o período. Isso
acabou.
A redução da
jornada é outro avanço substancial, não só porque abre mais espaço para o
lazer, a recreação, a família, como também garante a abertura de novos postos
de trabalho...
Claro. Além da redução da jornada de trabalho para
40 horas semanais no setor privado e a efetivação das 36 horas no setor
público, sem diminuição de salário, garantimos em lei a obrigatoriedade de dois
dias de descanso a cada semana.
O presidente Chávez
fala muito da necessidade de “semear petróleo”, colocando-o a serviço da
industrialização e do desenvolvimento do país. Qual a sua avaliação sobre isso?
Esta é uma questão essencial para o próximo período.
Temos em andamento o Plano Guayana Produtivo e Socialista que começa a
impulsionar com força as indústrias básicas, pesadas, trabalhando o alumínio, o
aço, a bauxita. De produtores de matérias-primas e semi-elaborados, vamos
passar para outro patamar, também aumentando a produtividade. Existem vários
contratos com o Irã e a China para começarmos a produzir carros em nossas
próprias fábricas, incorporando novas tecnologias, por exemplo.
A dependência externa da Venezuela no setor agrícola
sempre foi absurda. No passado, diziam que até ovos e alfaces vinham de Miami.
Como o governo vem enfrentando esta situação?
A luta pela soberania alimentar é um dos pontos
centrais. Antes chegamos a importar até 86% de tudo que se consumia no país.
Hoje começamos a reverter esta situação. Com a colaboração de países como
Argentina, Nicarágua e Uruguai, temos trazido gado para a reprodução,
aumentando substancialmente o consumo de carne e leite produzido no próprio
país. Recuperamos empresas como a Lacteos Andes, que produzia muito pouco
enquanto era privada, tendo agora ampliado em muito a sua capacidade. Também
começamos a fomentar um modelo de substituição de consumo. O venezuelano come
muito pão, mas não temos trigo no país. Então estamos já há tempos substituindo
pelo milho, com o que fazemos comidas típicas como a cachapa e a arepa. Temos
também muita mandioca no oriente do país.
O investimento na
agricultura e nos agricultores passa a ter um papel estratégico.
Sim. Antes tínhamos apenas 3% da população
trabalhando a terra, hoje, devido à recuperação de parte das terras ociosas do
latifúndio, já são 30%. Em apenas um dos empreendimentos são 19 mil hectares
que foram expropriados de uma empresa britânica que tinha a terra para
especulação. Agora esse local está cheio de cooperativas camponesas. Há uma
volta ao campo, o que também nos ajuda a enfrentar os cinturões de miséria que
cresciam nas periferias das nossas cidades. A interiorização do desenvolvimento
é feita com mais investimentos, que abrem novas opções de trabalho. Uma classe
antes invisibilizada começa a ser produtiva, o que permitiu que o nível de
consumo tenha crescido exponencialmente.
Vimos o presidente Chávez falando sobre o aumento no
consumo de proteínas, de como isso está repercutindo favoravelmente também na
melhoria da saúde do venezuelano.
Precisamos sempre comparar, até para valorizar o que
temos ganhado com o processo revolucionário. Houve tempos no nosso país,
particularmente no período neoliberal dos anos 1990, onde o governo se curvou
ao FMI, que as pessoas chegaram a comer alimento para cachorro (perros, em
espanhol), porque eram mais baratos. Assim se comprava “perrarina” e esquentava
na água para os filhos comerem “carne”
com espaguete.
Passamos dez dias na Venezuela e pudemos compartilhar
uma rica experiência, infelizmente desconhecida da maior parte dos brasileiros.
Precisamos romper com o cerco midiático que tenta
manter a desinformação sobre o que está ocorrendo na Venezuela, impedindo
maiores adesões à revolução bolivariana. Durante o processo eleitoral tentaram
isolar o nosso país a partir de uma oposição dirigida desde Washington. A
Foxnews dava Capriles como ganhador da eleição. O ABC da Espanha segue dizendo
que houve fraude, apesar da própria oposição já ter reconhecido a derrota.
Felizmente a solidariedade com a revolução e com o nosso comandante falaram
mais alto. Agradecemos muitíssimo o apoio solidário de Lula e de Dilma, que se
colocaram à frente das manipulações da mídia. A declaração de Lula foi no seu
melhor estilo, sublinhando que o Brasil e a Venezuela avançam pelo mesmo
caminho. Reunindo vários meios alternativos, a Rede ComunicaSul também
cumpriu um grande papel. Graças a pessoas como vocês, conseguimos resistir e
vencer. Não dá para quantificar esta contribuição, foi uma enxurrada de
carinho. Felizmente há a compreensão comum de que caminhos no continente para a
conformação de uma só grande nação que é América, fortalecida com o exemplo da
revolução bolivariana. Há, evidentemente uma relação dialética entre os nossos
avanços e o dos demais países. Se o conjunto não acelera o passo, também se
compromete o desenvolvimento interno do processo, pois estamos nos confrontando
ao império estadunidense, na máxima expressão da luta de classes.
A máxima expressão da luta de classes.
A luta entre a nação e o imperialismo. Por isso
buscamos somar as mais amplas forças para que o país avance no desenvolvimento,
na justiça, abrindo caminho rumo ao socialismo. Sabemos que os gringos farão o
humanamente impossível para nos derrotar, para impedir mais seis anos de Chávez
no poder. Daí também a importância da solidariedade do Brasil e do mundo todo,
para que consigamos seguir em frente com a revolução que pertence a toda a
Humanidade.
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