Pensatempo: outubro 2012

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

SIP: Sociedade da Informação Privada



Artigo do renomado jornalista Paulo Cannabrava Filho disseca a essência da entidade dos barões da mídia

Neste texto, o renomado jornalista autor de “No olho do furacão” e veterano combatente dos “Cadernos do Terceiro Mundo” faz uma análise onde disseca a essência da SIP como porta-voz da “informação privada” e reitera a importância da democratização da comunicação e da efetivação de um novo marco regulatório para o setor. “Neste sentido creio que é muito importante reforçar a campanha ‘Para expressar a liberdade – uma nova lei para um novo tempo’, desenvolvida pelos movimentos pela democratização da comunicação. Afinal, cabe ao estado a implementação de políticas públicas que assegurem este direito humano”, sublinha o editor da Diálogos do Sul. http://www.dialogosdosul.org.br/

Boa leitura

SIP: Sociedade da Informação Privada

Paulo Cannabrava Filho

A Sociedade Interamericana de Imprensa, SIP (ou Sociedad Interamericana de Prensa, em espanhol), é uma entidade internacional de proprietários e editores de jornais e revistas. Foi idealizada em 1926 durante o Congresso Panamericano de Imprensa, formada majoritariamente por proprietários de jornais, alguns jornalistas. Consolidou-se em Havana, ainda na Cuba de Batista, em 1943. A partir de 1945 os proprietários estadunidenses assumiram o controle e impuseram, em 1950, o voto por jornal em lugar do voto por país. Desde então os Estados Unidos, com a maioria dos votos, detêm a hegemonia na direção da entidade. Já em 1960 tinham 559 membros contra 199 da América Latina.

O jornalista, escritor e poeta venezuelano Miguel Otero Silva (1908-1985), fundador do El Nacional de Caracas, jornal que dirigiu por longos anos, referindo-se à SIP, da qual participara da refundação nos anos 1940, dizia: "Os jornalistas latino-americanos devem chegar à conclusão de que a SIP já não tem nenhuma relação com eles. E devem em consequência, trabalhar pela celebração de um verdadeiro congresso continental de jornalista, inspirado nas normas que deram lugar à criação de nossa antiga e hoje adulterada sociedade." Otero fazia parte de uma categoria de jornalistas e editores em extinção.

Os integrantes da SIP confundem os conceitos de liberdade de expressão com os de livre empresa no marco do liberalismo econômico. A posição é das mais inconsistentes, pois o liberalismo econômico levou à ditadura do capital financeiro transnacional sobre a economia mundial de tal forma que, até mesmo o conceito de livre empresa tende a desaparecer diante da voracidade dos monopólios.

No campo do Direito, a comunidade internacional recomenda que os conceitos de liberdade de expressão devem considerar os problemas relativos ao acesso e à participação da população no processo de comunicação. Tanto no plano nacional como no internacional, o critério de livre fluxo da informação tem que dar lugar ao de uma circulação mais equilibrada da informação, que rompa com o isolamento a que estão relegadas as nações mais pobres.

O Direito precisa ser revisto. Vivemos outros tempos em que novas classes emergiram e não podem continuar à margem do sistema jurídico. Direito não pode ser encarado como nos tempos coloniais que servia unicamente aos interesses da classe dominante. A ciência jurídica tem que se adequar à nova realidade, recolhendo a contribuição da evolução do pensamento da humanidade nos aspectos da cultura e da filosofia, da política e da ideologia. Deve contemplar o direito das grandes maiorias excluídas socialmente.

Os fóruns e organismos especializados da comunidade internacional, desde a segunda metade dos anos 1960, estão discutindo e sistematizando os novos conceitos sobre o direito à informação, considerando o direito de acesso e o de participação como partes intrínsecas do direito de comunicação. E há que considerar também que não basta ser informado. É preciso compreender a informação recebida, o que torna a situação muito mais complexa.

IDEIAS VELHAS EM UM TEMPO NOVO

Em 2008 a assembleia geral da SIP, realizada em Madri, elegeu presidente o colombiano Enrique Santos, do diário El Tiempo. Suas primeiras declarações foram de condenação aos governos de Chávez, da Venezuela e Evo Morales, da Bolívia, acusando-os de atentarem contra a liberdade de expressão. O interessante é que nesses dois países, à época, só havia jornais de oposição. Até hoje, em qualquer banca de jornal de Caracas eles existem em profusão. É tamanha a liberdade que se desfruta na Venezuela que o ex-presidente estadunidense Jimmy Carter teve que admitir que ali o processo é realmente democrático.

Em 2012, na 68ª Assembleia da SIP, realizada em São Paulo, voltou a reunir-se a nata das oligarquias midiáticas latino-americanas e do Caribe com os empresários estadunidenses. Estes, apesar de hegemônicos, já não se preocupam com impor a linha como faziam até há pouco tempo. Atuam, algumas vezes, até mesmo como moderadores do ímpeto conservador e reacionário de nossas oligarquias detentoras de meios.

Nos EUA, como aqui, os meios fazem parte do sistema de dominação e, mesmo assim, lá estão sujeitos a regulações e dão espaço a um jornalismo de reportagens e juízos críticos de profissionais afetos à ética. A propriedade cruzada nas grandes corporações midiáticas ainda é proibida naquele país.

Na Nossa América a mídia oligarca filiada à SIP é uníssona. Salvo a ligeira diferença idiomática entre o espanhol e o português os jornais parecem feitos pela mesma pessoa, exatamente como é aqui.

No temário da reunião da SIP havia assuntos de real importância e que foram tratados por especialistas de renome. Houve uma boa discussão sobre os modelos a serem seguidos pelos meios, particularmente os jornais, diante do avanço irrefreável das TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação).

A questão dos pagamentos de direitos autorais no universo digital foi outro tema de importância, apesar de que essa preocupação não favorece os autores de fato. Isso porque tem sido praxe na Nossa América a apropriação e distribuição remunerada de matérias pelas empresas sem contemplar os autores. Outra prática lesiva tem sido forçar os profissionais a escrever para vários meios, diferentes pessoas jurídicas, e ser remunerado por apenas uma delas. Não remuneram os autores pelas matérias que vendem.

Coniventes a séculos com o modelo de desenvolvimento predatório, os proprietários se mostraram preocupados com a busca de sustentabilidade na comunicação. Certamente não aprofundaram no tema da comunicação para a sustentabilidade, pois atingir tal objetivo no capitalismo predador que eles defendem é simplesmente impossível.

Mostraram-se também preocupados com a violência contra jornalistas no exercício da profissão. Estavam bem informados. Disseram que neste conturbado período que atravessamos 30 jornalistas foram assassinados no hemisfério, oito dos quais no Brasil. Ninguém apontou as causas reais geradoras da violência. Ficaram no de sempre: tráfico, mandantes, etc.

Para debater sobre Liberdade de expressão e direito à informação, não poderiam ter escolhido nada melhor, realmente. Conhecendo-os não é preciso ouvi-los para saber o que dizem. São todos eles marteladores de uma nota só, servos intelectuais do Império: Fernando Henrique Cardoso, o D. João VI redivivo para entregar o país à voragem do Império; Roberto Civita, o dono do Grupo Abril. Quem um dia já leu Veja e tem o sentido da ética sabe que os Civita não têm moral para arguir sobre liberdade de expressão, direito à informação ou mesmo critérios éticos no jornalismo.

Outra figura expressiva presente nesse debate confirma a intenção dos organizadores. Alan García, dirigente da Apra peruana, chegou à Presidência da República, associou-se ao "Consenso de Washington" e deixou o país em frangalhos e as Forças Armadas sob controle dos EUA. García na sua juventude pertencia às hordas fascistas da Apra (Aliança Popular Revolucionária Americana) que saiam às ruas depredando e queimando o que lhes parecia adversário político.

PRESIDENTES E SUBSERVIÊNCIA

O novo presidente da SIP é o equatoriano Jaime Mantilla, proprietário do diário Hoy. Não é por mero acaso que nomeiam um oligarca do Equador, país em que um governo em obediência à Constituição está promulgando leis que regulamentam os meios de comunicação. Não por coincidência, quando Salvador Allende assumiu a presidência do Chile, assumiu o comando da SIP Agustin Edward, o chefe do clã dono do Mercúrio o grande jornal nacional chileno e, a partir de 1973, assumiu a direção outro chileno, Raul Silva Espejo, diretor do também Mercúrio. Edwards recebeu algo em torno de 100 milhões de dólares (valores atualizados) para comandar a campanha midiática contra o governo da Unidade Popular.

Às críticas da SIP, o presidente equatoriano Rafael Correa responde que são a mesma coisa que uma associação comercial, pois representam os donos das empresas, representantes das oligarquias herdadas dos tempos coloniais que nunca se preocuparam com os reais problemas da população, com um poder real que nunca foi limitado ou mesmo contestado.

Além do presidente de turno, hoje o equatoriano, a SIP mantém um presidente eterno (vitalício), o estadunidense Scott C. Schrz, do Herald Times.

Como novo diretor secretário está Bartolomé Mitre, proprietário de La Nación de Buenos Aires que junto com Ernestina Herrera de Noble, proprietária do Clarín, perdeu o controle que exerciam sobre a fabricação e comercialização de papel para imprensa. O Clarín de Buenos Aires, de jornal diário passou a ser um dos maiores conglomerados midiáticos do continente, perdendo só para o Grupo Globo. Ambas empresas familiares que cresceram à sombra das ditaduras que assolaram tanto a Argentina como o Brasil.

Além disso, se declararam em guerra contra o governo de Cristina Kirchner por estar impondo regras constitucionais aos meios, como por exemplo, o fim da propriedade cruzada das grandes corporações.

SOMBRA CONTRA AS LUZES

Ignácio Ramonet [1] aponta que se deve apostar em um jornalismo de luzes para dissipar as sombras da atualidade. Como? Na França nem o Le Monde, considerado por décadas o baluarte da livre expressão, escapou dos monopólios. De empresa administrada por seus trabalhadores em cooperativa passou às mãos do grupo Hachette.

O grupo Mondatori, do italiano Berlusconi, após joint venture com a Randon House, do grupo alemão Bertelsmann AG, passou a ser o maior truste editorial europeu. Berlusconi já havia se apropriado das principais editoras italianas, inclusive as mais tradicionais como Feltrinelli e Einaudi e agora avança sobre as principais editoras na Europa. Na Espanha já possui o El Mundo e quinze casas editoriais, através das quais conquista os países da América Latina. Adquiriu as melhores casas, como Grijalbo e Plaza & Janes com sedes no México e na Espanha; a Sudamericana na Argentina.

Seguindo a lógica do mercado, o que interessa para essas editoras são obras e autores que vendem, geralmente ficção e autoajuda, reduzindo o já parco espaço para as obras de reflexão sobre a realidade no campo da história, da sociologia, da filosofia.

Não há uma política voltada a proteger a produção editorial, privilegiando o autor nacional, resguardando os direitos autorais. As poucas bibliotecas que temos não têm recursos para oferecer um acervo atualizado para a população e temos poucas editoras que se preocupam com as obras de reflexão

Na Itália, Berlusconi domina as rádios, televisões e jornais expandindo-se para Europa e outras plagas. Já é um dos maiores grupos de mídia no planeta.

A Espanha também está globalizando suas grandes empresas editoriais. Além da Telefônica, que atua em telefonia e televisão, a Editorial Planeta já possui empresas no Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru, Uruguai, Venezuela e nos Estados Unidos. A Planeta continua comprando na América Latina, não só na área de livros mas também de mídia. Na Colômbia por exemplo, além do diário El Tiempo, de maior tiragem e de sustentação do clã Uribe, possui mais três jornais e uma rede de televisão. Recentemente a revista inglesa Economist festejou o relançamento do jornal El Espectador por uma família oligarca, considerando que um pouco de diversidade fará bem à democracia colombiana, já que todos os demais meios estavam sob controle de Uribe.

A Opus Dei tem 600 diários, 50 emissoras de rádio e TV e 12 agências informativas.

Na Grã Bretanha, o magnata australiano Rupert Murdoch, que não cessa de comprar meios na Europa e Estados Unidos, em depoimento ao Parlamento britânico admitiu que dita as linhas editoriais dos jornais The Sun, de maior tiragem na Inglaterra, e News of the World, além de nomear a direção no The Times e Sunday Times. Nos primeiros casos admitiu que instruiu os jornais a apoiar as iniciativas de George Bush, inclusive a invasão ao Iraque. Em julho de 2008, trocou a direção do diário Washington Post [2] para garantir mais fidelidade, certamente.

LUZES CONTRA A SOMBRA

Na América Latina, de maneira geral, historicamente os grandes jornais e revistas, emissoras de rádio e televisão, pertencem a famílias ou oligarquias que defendem exclusivamente seus interesses, por sua vez subordinados aos interesses do capital transnacional. Mas aqui também a oligopolização e concentração virou regra. E aqui vale tudo. As megacorporações controlam redes nacionais de jornais, revistas, televisão, internet, propriedade cruzada que até nos EUA é proibida.

A propriedade cruzada — ou seja, o controle de mais de uma plataforma de âmbito nacional, tais como, TV, rádio, jornais e agências de notícias — proibida nos EUA, aqui se transformou em atração para o grande capital.
Além da Globo, cresceram à sombra protetora da ditadura os conglomerados Folha de São Paulo/UOL/Abril em São Paulo, o grupo Zero Hora no Rio Grande do Sul. Quando se percebe o dano que esses monopólios causam à Nação, bem como se constata a importância de sistemas informativos integrados regionalmente, fica difícil entender a posição do governo brasileiro, sempre favorecendo interesses da SIP, mesmo quando contrários aos interesses nacionais. Esperamos que a ausência da presidenta Dilma na última reunião dos donos da mídia continental seja uma sinalização de que a "ficha caiu" e reforce a decisão de investir num sólido sistema de comunicação e informação nacional – a exemplo do que já ocorre simultaneamente em vários países – e não apenas integre como fortaleça um ágil e eficiente sistema regional. No caso específico do Brasil, já passou a hora de o governo – como bem demonstra toda a parafernália midiática em torno do julgamento do chamado "mensalão" — regulamentar os dispositivos constitucionais que enfrentam os monopólios e oligopólios de mídia e garantem a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal, para ampliar o número de vozes. Neste sentido creio que é muito importante reforçar a campanha "Para expressar a liberdade – uma nova lei para um novo tempo", desenvolvida pelos movimentos pela democratização da comunicação. Afinal, cabe ao estado a implementação de políticas públicas que assegurem este direito humano.


[1] Ignacio Ramonet, jornalista espanhol, diretor do hebdomadário Le Monde Diplomatic, edição em castelhano que agora circula em português no Brasil onde mantém também uma versão na internet. Integra o comitê organizador do Fórum Social Mundial.
[2] Katharine Weymouth, a nova Publisher, logo depois de tomar posse contratou o executivo Marcus Brauchli para substituir na direção editorial o prêmio Pulitzer Leonard Downie Jr que estava há 17 anos no cargo
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* Da revista Diálogos do Sul, Paulo Cannabrava Filho trabalhou em grandes meios de comunicação no Brasil e em países da América Latina, entre os quais Última Hora, de São Paulo, o Correio da Manhã, do Rio de Janeiro e Expresso de Lima, Peru. Foi correspondente da Prensa Latina e da France Press na América Latina e diretor regional da Interpress Service. Coordenou importantes projetos de comunicação no Brasil, Bolívia, Peru, México, Nicarágua e para a Organização dos Estados Americanos. No Panamá coordenou a comunicação da Comissão de Negociação com os Estados Unidos que resultou no Tratado que devolveu a soberania panamenha sobre a Zona do Canal. Integrou a equipe dos Cadernos do Terceiro Mundo desde sua fundação em 1975 até a última edição em 2005. É autor de vários livros e ensaios sobre conjuntura latino-americana e mundial, com edições na Europa e América Latina.
Publicado originalmente no jornal Hora do Povo WWW.horadopovo.com.br

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Trabalhadores da Imprensa da Argentina repudiam “lobby da mentira” feito pela SIP em favor do grupo Clarín

Monopólio midiático quer continuar desrespeitando a lei e atentando contra a liberdade de expressão

A Federação Argentina de Trabalhadores da Imprensa (Fatpren) condenou nesta quarta-feira o “lobby da mentira” orquestrado pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) – historicamente ligada à CIA e ao Departamento de Estado dos EUA - em favor do grupo monopolista de mídia Clarín, que quer continuar desrespeitando a legislação contra a democratização da comunicação.
Pela Lei de Meios, nenhum conglomerado de comunicação pode ter mais do que 24 outorgas de TV a cabo e 10 de rádio e televisão aberta. Mas o Grupo Clarín possui dez vezes mais licenças de cabo do que o número autorizado pela Lei, além de quatro canais de televisão, uma rádio FM, 10 rádios AM, e o jornal de maior tiragem do país.
O fato, destaca a Fatpren, é que frente à chegada da data estabelecida pela Corte Suprema de Justiça [10 de dezembro] para que o Grupo Clarín cumpra efetivamente com o disposto pela Lei de Serviços de Comunicação em matéria de adequação de licenças, seus sócios empresários do continente se somam à estratégia de propor que a legislação atenta contra a liberdade de expressão”. Com apoio da SIP, denunciam os trabalhadores, “os operadores do grupo Clarín fazem lobby internacional para construir a grande mentira de transformar as restrições à sua posição dominante em restrições à imprensa”
Foi assim, esclarece a Federação, que a SIP anunciou a "possibilidade de enviar uma missão ao nosso país para dezembro". O informe anual publicado pela entidade dos barões da mídia na última terça-feira (16) diz que “na Argentina a presidenta segue sem dar coletivas de imprensa e abusa da cadeia nacional". De acordo com a Fatpren, no informe, “não fazem referência alguma, como era previsível, à inédita Liberdade de Expressão que reina no país e permite que os meios publiquem o que desejem sem qualquer restrição”.

PORTA-VOZ DAS DITADURAS 

A “missão” da SIP é de solidariedade patronal, alertam os trabalhadores, colocando o dedo na ferida: “Seguramente, a missão que a SIP pode enviar à Argentina terá características diferentes das que costumava ter quando vinha para condecorar ditadores, clara definição de qual é a sua posição sobre a Liberdade de Expressão: liberdade para que suas empresas possam aplicar, desde seus meios, políticas de pressão sobre os governos para impor seus interesses, ao mesmo tempo em que empobrecem os seus trabalhadores para domesticar o discurso”.
“A SIP, organização empresarial tomada pela CIA e o Departamento de Estado dos Estados Unidos durante a década de 50, soube outorgar a medalha ‘Prêmio das Américas’ ao ditador Pedro Eugenio Aramburu, líder da Revolução Fuziladora [que derrubou o governo constitucional de Juan Domingo Perón em 16 de setembro de 1955] enquanto centenas de jornalistas eram perseguidos, torturados e encarcerados. Se a SIP se enfrenta ao Projeto Nacional e Popular, os trabalhadores de imprensa sabemos, sem duvidar, qual é o nosso caminho”.

GRANDE MENTIRA 

Há 40 anos, destaca a Fatpren, organizações como a Media Freedom Foundation/Project Censored, vinculada à Universidade de Sonoma, na Califórnia, detalham “como a censura e a autocensura estão muito mais presentes nos países centrais que na nossa região, onde as patronais midiáticas a serviço das corporações econômicas têm a possibilidade de mentir diariamente, sem limite algum, para defender seus interesses antipopulares”.
Frente aos desafios colocados pelo embate em defesa da verdade e a justiça, assegura a entidade, “os trabalhadores de imprensa continuaremos batalhando a cada dia, nas redações, nos espaços públicos, onde a realidade nos convoque, para alcançar uma comunicação verdadeiramente democrática, plural, participativa e diversa, e condições dignas de trabalho que nos permitam garantir ao povo seu devido Direito à Informação”.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Jacobo Torres: “Venezuela proíbe terceirizações, amplia direitos e reduz jornada para 40 horas”


Sindicalista venezuelano destaca “relevância da rede ComunicaSul”, integrada pela CUT, “para romper o cerco midiático contra o país”

Leonardo Wexell Severo, de Caracas-Venezuela


Coordenador Internacional da Central Bolivariana Socialista dos Trabalhadores da Cidade, do Campo e da Pesca da Venezuela (CBST), Jacobo Torres, descreve alguns dos “inúmeros avanços políticos, econômicos e sociais conquistados durante o governo do presidente Hugo Chávez”, tendo como foco a Nova Lei Orgânica do Trabalho, dos Trabalhadores e Trabalhadores, “uma velha dívida da revolução com a classe operária”.
Entre os principais pontos, assegurou o dirigente internacional da maior central venezuelana, “está a proibição da terceirização e da precarização das relações de trabalho, a ampliação de direitos como as licenças maternidade e paternidade, e a redução da jornada para 40 horas sem diminuição de salário”.
Ao assinar o documento, Chávez destacou que a lei, com 554 artigos, é um instrumento que permitirá construir uma "nova cultura do trabalho e de responsabilidade”. Na avaliação de Jacobo, a ação desenvolvida pela Rede ComunicaSul, integrada pela CUT Brasil, “contribuiu para romper com o cerco midiático armado contra o país, dando visibilidade às nossas lutas e às conquistas obtidas”.
Conforme explicita a lei: “O processo social de trabalho tem como objetivo essencial superar as formas de exploração capitalista, a produção de bens e serviços que assegurem nossa independência econômica, satisfaçam as necessidades humanas mediante a justa distribuição da riqueza e criem as condições materiais, sociais e espirituais que permitam à família ser o espaço para o desenvolvimento integral das pessoas e conquistar uma sociedade justa e amante da paz, baseada na valorização ética do trabalho e na participação ativa, consciente e solidária dos trabalhadores e trabalhadoras nos processos de transformação social, consubstanciados com o ideal bolivariano”.

Para a CBST, qual o significado da Nova Lei Orgânica do Trabalho?
Jacobo Torres - A Nova Lei Orgânica do Trabalho, dos Trabalhadores e Trabalhadoras salda uma velha dívida que a revolução tinha com a classe operária. Afinal, transcorreram 12 longos anos para começar a discussão sobre a nova lei. Era um contrassenso, porque a lei anterior protegia os patrões contra os trabalhadores, no mesmo período em que se estava promulgando uma lei revolucionária. É uma proposta de vida que se insere dentro de um projeto de nação, de socialismo. Havia muitas contradições quanto à sua interpretação, principalmente porque foram muitos os direitos que haviam sido retirados durante os anos de neoliberalismo. Antes se aposentava após 30 anos de trabalho, com o valor do último salário. Aí, já recebia no ato um valor equivalente a um mês por ano, 30 meses ou 900 dias. Isso foi eliminado no processo de aplicação das medidas do Fundo Monetário Internacional (FMI), que determinava a retirada de direitos e privatizações, onde a flexibilização era o método de contratação. Chávez chega, paralisa o processo neoliberal e trabalha para a recuperação de empregos e direitos.

Com a adoção do receituário neoliberal, os trabalhadores ficaram, literalmente, a ver navios.
Exatamente. Se acumularam passivos trabalhistas muito grandes, com a quebra de empresas. O Estado precisou atuar. O que para os neoliberais é gasto público, para a revolução é investimento social. Então, o governo Chávez começou a distribuir mais equitativamente os recursos para a sociedade, ampliando os benefícios sociais e trabalhistas.

De que forma a construção da CBST contribui para o desenvolvimento do processo?
Foram muitas idas e vindas, onde tivemos de revisar a nossa situação frente ao processo intersindical. Havíamos cometido muitos erros na formação da antiga central, a União Nacional dos Trabalhadores (UNT), com critérios a partir de correntes políticas, muitas vezes com pouca ou nenhuma representatividade. Eram generais sem tropa. Hoje, os dirigentes têm representatividade, são líderes do magistério, da construção civil, petroleiros, químicos, farmacêuticos. O que nos une a todos é o apoio ao processo revolucionário conduzido pelo presidente Chávez.

A linha de corte é o processo revolucionário.
Este é o nosso entendimento, porque se não somos capazes de sustentar a revolução, com o comandante à frente, que tipo de organização seremos? Durante o processo de fundação da nossa Central Bolivariana Socialista dos Trabalhadores da Cidade, do Campo e da Pesca da Venezuela, em 10 de novembro de 2011, lançamos as bases da nossa organização, com comitês regionais e nacionais. Então, pela primeira vez em muitos anos, o presidente nos acompanhou. Foi o primeiro ato público após a sua convalescença, o que é muito simbólico. Neste evento pedimos ao presidente que dirigisse a redação da nova Lei do Trabalho. Ele disse que iria assinar após uma ampla discussão e garantiu um espaço de consulta e mobilização, proporcionando um rico debate que envolveu a Comissão Presidencial, a Assembleia Nacional, os magistrados da Corte Suprema, ministros, o Banco Central e vasta representação dos trabalhadores para concluir a nova lei. Vale ressaltar que não houve reforma, mas a construção de uma nova lei orgânica para pagar a dívida histórica da revolução com a classe operária.

Como foi este processo de construção?
Somente nossa central realizou 4.700 consultas, entre reuniões e assembleias, com muita participação. Ao longo do processo foram recolhidas 19.200 propostas para a nova lei. Depois disso, uma tarefa titânica foi ordenar, sistematizar esta avalanche de propostas e garantir o caráter revolucionário de seu conteúdo. É uma plataforma para que os trabalhadores se incorporem em melhores condições ao processo. Assim como precisamos garantir o protagonismo do Estado, temos de garantir o papel dos trabalhadores no Estado, a participação da classe na construção da sua própria redenção

Houve o investimento na organização, no fortalecimento da consciência da classe. Isso tem se refletido no aumento das taxas de sindicalização?
Reagrupamos o que existia e hoje temos seis centrais sindicais. A nossa é a maior e reúne 17 federações e oito sindicatos nacionais e mais de 500 sindicatos regionais e locais. Temos concentrado a sindicalização nos setores mais estratégicos, onde a taxa tem crescido, com avanços importantes em ramos como a hotelaria e a vigilância privada. Vale lembrar que o sindicalismo anterior, da CTV, agia como correia de transmissão do patronato. Por isso atuavam com uma concepção tripartite, que chamávamos “trimaldita”, pois sempre abria mão dos interesses de classe. Hoje a lei proíbe o tripartismo, não há negociação sobre direitos. O legislado sempre vale mais do que o negociado.

Em muitos dos nossos países, até por questões táticas, o sindicalismo defende o tripartismo.
Mas aqui estamos em um processo revolucionário, mais avançado, onde o trabalho tem papel preponderante sobre o capital. Na Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, nos olharam como se tivéssemos lepra. Na Venezuela não há conciliação entre o explorado e o explorador, como está claro na nova lei do trabalho, pois há um enfrentamento com a burguesia.

Como isso se dá na prática?
Antes o trabalhador era despedido e, para defender seu retorno ao emprego, ele precisava demonstrar que havia sido cometida uma injustiça. Agora se presume a inocência do trabalhador e o patrão é quem tem de justificar as razões e pagar o devido. Agora estamos debatendo os níveis de sanções que vão desde multas até a recontratação. Para isso, o Estado mobiliza o Ministério do Trabalho e até a polícia, impondo o cumprimento da ordem e evitando as demissões massivas. É uma coisa maravilhosa que conseguiu deter os abusos do patronato.

E como ficam as aposentadorias?
Enquanto nos Estados Unidos e na Europa os governos retrocedem direitos sociais e trabalhistas, aqui avançamos. Reduzimos a idade mínima para aposentadoria a 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres. Todos agora têm seguro social, com direito ao salário integral. Antes, o Estado não recolhia e, portanto, depois não pagava. Agora todos recebem, por uma questão de reparar esta injustiça, independentemente de terem ou não contribuído. Comprovada a idade da aposentadoria, todos têm direito, pois é uma necessidade humana e uma responsabilidade do Estado. A terceira idade está protegida.

E a política de valorização dos benefícios?
Aqui, quando se reajusta o valor do salário mínimo, sempre acima da inflação, com ganho real, todos os meses de maio e setembro, os mesmos percentuais são repassados às aposentadorias. Antes era 80% do salário mínimo, hoje é igual, uma questão de justiça com a terceira idade. É bom lembrar que antes da revolução havia quatro tipos de salário mínimo: o urbano, o rural, o de aprendiz e o de eventual. A revolução unificou e ratificou na lei.

O sindicalismo brasileiro está na luta contra a terceirização, por entender que ela precariza as relações de trabalho.
Esta é uma luta importante. Aqui já acabamos com a flexibilização e a precarização. A partir de 1° de Maio deste ano, as empresas têm seis meses para os eventuais ou subcontratados aparecerem como trabalhadores plenos de direitos.

E o governo deu o exemplo.
O exemplo foi dado pelo governo quando nacionalizou as petroleiras da Faixa do Orinoco, a Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) absorvendo 60 mil trabalhadores que passaram a ter os mesmos benefícios contratuais. Nossa organização, a Federação dos Trabalhadores do Petróleo, Gás, Similares e Derivados da Venezuela (FUTPV) passou de 40 mil para 103 mil filiados. E fecharemos o ano com 140 mil. Nossa concepção é salário igual para trabalho igual. Da mesma forma, foram registrados os nove mil trabalhadores da metalúrgica Sidor e os quatro mil da empresa elétrica. O trabalho deixa de ser um castigo e passa a ser um direito humano.

Com todos os benefícios, garantias e estabilidade...
Perfeitamente: todos os benefícios, garantias e estabilidade. Além dos direitos sociais e trabalhistas, a revolução avança para garantir educação, saúde, moradia, recreação e energia, que não podem ser mercadoria, mas um serviço comum para todos e todas. O modelo de país que estamos construindo tem este compromisso.

A luta das mulheres também tem se refletido em conquistas...
A equidade de gênero na Venezuela não é só formal. A nova lei do trabalho também reconhece novos direitos: a licença maternidade agora é de seis semanas no pré-natal e de 40 semanas, seis meses, após o parto. Para contribuir neste momento tão importante, o pai tem 15 dias para acompanhar a companheira após o parto, com o casal gozando de estabilidade no emprego por dois anos, pois é uma etapa crucial para a criança.

E o trabalhador jovem?
Existiam mecanismos de exploração muito depravados como os tais três meses de experiência, onde muitos empresários se aproveitavam para sugar ao máximo as energias do candidato, logo substituído por outro nas mesmas condições. Aproveitavam-se, portanto, da alta rotatividade para “reciclar” em defesa do capital, não pagando direitos durante o período. Isso acabou.

A redução da jornada é outro avanço substancial, não só porque abre mais espaço para o lazer, a recreação, a família, como também garante a abertura de novos postos de trabalho...
Claro. Além da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais no setor privado e a efetivação das 36 horas no setor público, sem diminuição de salário, garantimos em lei a obrigatoriedade de dois dias de descanso a cada semana.

O presidente Chávez fala muito da necessidade de “semear petróleo”, colocando-o a serviço da industrialização e do desenvolvimento do país. Qual a sua avaliação sobre isso?
Esta é uma questão essencial para o próximo período. Temos em andamento o Plano Guayana Produtivo e Socialista que começa a impulsionar com força as indústrias básicas, pesadas, trabalhando o alumínio, o aço, a bauxita. De produtores de matérias-primas e semi-elaborados, vamos passar para outro patamar, também aumentando a produtividade. Existem vários contratos com o Irã e a China para começarmos a produzir carros em nossas próprias fábricas, incorporando novas tecnologias, por exemplo.

A dependência externa da Venezuela no setor agrícola sempre foi absurda. No passado, diziam que até ovos e alfaces vinham de Miami. Como o governo vem enfrentando esta situação?
A luta pela soberania alimentar é um dos pontos centrais. Antes chegamos a importar até 86% de tudo que se consumia no país. Hoje começamos a reverter esta situação. Com a colaboração de países como Argentina, Nicarágua e Uruguai, temos trazido gado para a reprodução, aumentando substancialmente o consumo de carne e leite produzido no próprio país. Recuperamos empresas como a Lacteos Andes, que produzia muito pouco enquanto era privada, tendo agora ampliado em muito a sua capacidade. Também começamos a fomentar um modelo de substituição de consumo. O venezuelano come muito pão, mas não temos trigo no país. Então estamos já há tempos substituindo pelo milho, com o que fazemos comidas típicas como a cachapa e a arepa. Temos também muita mandioca no oriente do país.

O investimento na agricultura e nos agricultores passa a ter um papel estratégico.
Sim. Antes tínhamos apenas 3% da população trabalhando a terra, hoje, devido à recuperação de parte das terras ociosas do latifúndio, já são 30%. Em apenas um dos empreendimentos são 19 mil hectares que foram expropriados de uma empresa britânica que tinha a terra para especulação. Agora esse local está cheio de cooperativas camponesas. Há uma volta ao campo, o que também nos ajuda a enfrentar os cinturões de miséria que cresciam nas periferias das nossas cidades. A interiorização do desenvolvimento é feita com mais investimentos, que abrem novas opções de trabalho. Uma classe antes invisibilizada começa a ser produtiva, o que permitiu que o nível de consumo tenha crescido exponencialmente.

Vimos o presidente Chávez falando sobre o aumento no consumo de proteínas, de como isso está repercutindo favoravelmente também na melhoria da saúde do venezuelano.
Precisamos sempre comparar, até para valorizar o que temos ganhado com o processo revolucionário. Houve tempos no nosso país, particularmente no período neoliberal dos anos 1990, onde o governo se curvou ao FMI, que as pessoas chegaram a comer alimento para cachorro (perros, em espanhol), porque eram mais baratos. Assim se comprava “perrarina” e esquentava na  água para os filhos comerem “carne” com espaguete.

Passamos dez dias na Venezuela e pudemos compartilhar uma rica experiência, infelizmente desconhecida da maior parte dos brasileiros.
Precisamos romper com o cerco midiático que tenta manter a desinformação sobre o que está ocorrendo na Venezuela, impedindo maiores adesões à revolução bolivariana. Durante o processo eleitoral tentaram isolar o nosso país a partir de uma oposição dirigida desde Washington. A Foxnews dava Capriles como ganhador da eleição. O ABC da Espanha segue dizendo que houve fraude, apesar da própria oposição já ter reconhecido a derrota. Felizmente a solidariedade com a revolução e com o nosso comandante falaram mais alto. Agradecemos muitíssimo o apoio solidário de Lula e de Dilma, que se colocaram à frente das manipulações da mídia. A declaração de Lula foi no seu melhor estilo, sublinhando que o Brasil e a Venezuela avançam pelo mesmo caminho. Reunindo vários meios alternativos, a Rede ComunicaSul também cumpriu um grande papel. Graças a pessoas como vocês, conseguimos resistir e vencer. Não dá para quantificar esta contribuição, foi uma enxurrada de carinho. Felizmente há a compreensão comum de que caminhos no continente para a conformação de uma só grande nação que é América, fortalecida com o exemplo da revolução bolivariana. Há, evidentemente uma relação dialética entre os nossos avanços e o dos demais países. Se o conjunto não acelera o passo, também se compromete o desenvolvimento interno do processo, pois estamos nos confrontando ao império estadunidense, na máxima expressão da luta de classes.

A máxima expressão da luta de classes.
A luta entre a nação e o imperialismo. Por isso buscamos somar as mais amplas forças para que o país avance no desenvolvimento, na justiça, abrindo caminho rumo ao socialismo. Sabemos que os gringos farão o humanamente impossível para nos derrotar, para impedir mais seis anos de Chávez no poder. Daí também a importância da solidariedade do Brasil e do mundo todo, para que consigamos seguir em frente com a revolução que pertence a toda a Humanidade.